Naufrágio do Novo Amapá, uma triste lembrança.

Lembro-me muito bem daqueles dias de janeiro de 1981, aqui em Macapá. Era criança, mas a comoção com o naufrágio acompanhou-me por muitos anos. Desde a chegada das primeiras informações desencontradas, pudemos sentir a mudança do clima de natal e ano novo nas casas e famílias. Depois da confirmação e durante o resgate dos corpos, ficávamos na frente de casa, esperando notícias até chegar à noitinha, quando então, pegávamos as cadeiras e entrávamos, cedo ainda, para dormir. Fechavam-se as venezianas e o dia acabava cedo, triste, consternado...

Para nós, acostumados a viajar nestes rios a cada período de férias, empilhados uns sobre os outros, no meio dos barcos, dividindo o pequeno espaço entre bagagens e irmãos, aquelas notícias tocavam fundo, pois embora não ultrapassássemos os limites de Mazagão Velho, a paisagem ribeirinha era nossa velha conhecida, e agora, descortinava-se assustadora e fatal.

Após alguns dias, começamos a ouvir palavras diferentes: naufrágio, putrefação, cadáveres, decomposição... Todas tinham um peso incrível na nossa mente infantil. Uma pessoa de minha família participou da operação de resgate: nunca consegui esquecer o seu jeito completamente diferente, ao retornar. Falava das cenas vistas, narrando-as de um modo doído e amedrontado, inclusive lembro de sua menção aos odores, que pareciam entranhados em sua mente para sempre.

No retorno às aulas na Escola Dom Aristídes Piróvano, no mês seguinte, a descoberta da colega Aninha, que perecera junto aos familiares. Algo marcante demais para alguém com apenas 11 anos...

Hoje avalio o peso de 30 anos deste triste episódio. Ouso dizer que foi uma marca dolorosa e incomparável nas almas dos nortistas, mas que, infelizmente, não impediu que novas tragédias em nossas estradas de água voltassem a ocorrer.